O Jumbolino no Brasil; veja fotos históricas

Volta ao passado: o Jumbolino no Brasil
Foto: Arquivo Flap

Lançado em 1978 pela British Aerospace, o BAe 146 realizou seu primeiro voo em 3 de setembro de 1981. A fabricante promovia o quadrimotor regional, que ganhou apelido de Jumbolino, como “silencioso e econômico” e conquistou sua primeira encomenda meses antes da primeira decolagem. O jato entrou em serviço regular em 1983 e dez anos mais tarde, o projeto foi atualizado com novos motores e passando a se chamar Avro RJ.

Ao todo, juntando todas as séries, 394 BAe/Avro RJ foram construídos. O jato foi popular em locais como o Reino Unido, Estados Unidos, Suíça, África do Sul e até hoje é bastante utilizado no Chile. Aqui no Brasil, o quadrimotor passou praticamente despercebido e operou efetivamente em apenas uma companhia.

Negócio Fechado

A Dan-Air, do Reino Unido, foi a cliente lançadora do quadrireator britânico com a chegada G-BKMN em 23 de maio de 1983. A British Aerospace planejou turnês globais em uma tentativa de conquistar novas operadoras, uma vez que as vendas estavam bastante lentas.

A fabricante então ofereceu um bom negócio à Taba – Transportes Aéreos da Bacia Amazônica, enfatizando que o jato era ideal para as condições extremamente inóspitas da Amazô­nia. A proposta ofertada era tão atrativa, que a Taba se tornou a primeira linha aérea estrangeira a receber o BAe 146-100, o menor da família. De acordo com David Pattison, então diretor de vendas da British Aerospace para a América Latina, o valor total do negócio girava em torno dos US$ 40 milhões, não requeria entrada alguma e incluía 8 milhões de dólares em peças de reposição.

O contrato assinado previa que a importação definitiva dos aparelhos ocorreria ao final do primeiro ano de uso, partindo-se então para um leasing de dez anos, com opção de compra ao final do período.

Preparativos

No final de 1982, a Taba enviou ao Departamento de Aviação Civil (DAC) a solicita­ção para a importação de dois Jumbolinos. A autorização veio no começo de 1983.

Em junho do mesmo ano, Bruno Gibson, diretor comercial da Taba, e o comandante Fontoura, então diretor técnico, visitaram as instalações da British Aerospace, na Inglaterra, e depois voaram para a França, onde marcaram presença no 35º Salão de Aeronáu­tica e Espaço de Le Bourget. O anúncio oficial da aquisição dos dois BAe 146-100 aconteceu durante o evento e o segundo protótipo do quadrimotor, com a matrícula G-SSHH, foi exibido nas cores da Taba. Na feira também estava presente um Boeing 767 da TransBrasil e a dupla brasileira se encontrou em território francês rendendo até um belo registro (abaixo).

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“Nossa ideia é operar inicialmente dois desses aviões. Quanto ao número final … nosso projeto … é de cinco aeronaves BAe 146. As três aeronaves restantes entrariam na frota da Taba gradativamente, de acordo com o crescimento do mercado”

Bruno Gibson, diretor comercial da Taba, em 1983 à Flap

Treinamento

Com o negócio fechado, a Taba enviou 33 colaboradores, entre pilotos, pessoal técnico de apoio de solo e manutenção e engenheiros para a realização de treinamentos referentes ao BAe 146 em Hatfield, na Inglaterra.

Apenas três pessoas no grupo falavam in­glês. Como o curso era todo nesse idioma, a British Aerospace contratou uma indiana que falava português para servir de intérprete.

O curso durou até o final de novembro e após seu término a maioria do pessoal retornou ao Brasil. Dentre os cerca de dez pilotos que o fizeram, dois não conseguiram ser habilitados no novo avião.

Neste mesmo período, a Taba começava suas campanhas publicitárias anunciando a chegada do seu “SuperJato”.

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O Confuso Traslado

De matrícula PT-LEP e número de série El0l0, o primeiro BAe 146-100 da Taba decolou de Hatfield em 7 de dezembro de 1983 rumo ao Brasil. Nos controles, o comandante João Carlos Berto e o primeiro-oficial Wtlmar Pereira de Melo.

O quadrimotor fez uma primeira parada em Sevilha, na Espanha, e durante o pouso os flaps não baixaram, de acordo com o relatado por Berto. Mesmo com a pane, o pouso ocorreu sem maiores problemas, no entanto, após uma inspeção detalhada, constatou-se uma pequena rachadura no para-brisas. Resultado: parte da equipe a bordo ficou em Sevilha e os pilotos da British Aerospace, acompanhados do primeiro-oficial Wtlmar Pereira de Melo, voltaram com o quadrimotor para a Inglaterra.

Dois dias depois, o pequenino PT-LEP pousou novamente em Sevilha, agora sem panes, e reiniciou seu voo até o Brasil. A próxima parada era a Ilha do Sal e, depois de lá, o quadrireator chegou em terras brasileiras ao pousar em Natal, no dia 10 de dezembro de 1983. Os trâmites alfandegários de nacionalização aconteceram no mesmo dia na capital potiguar.

Chegada do BAe na Taba

No mesmo dia, por volta das 15h30, o PT-LEP finalmente chegou em sua nova casa: Belém. A duração total do traslado foi de 10 horas e 35 minutos de voo.

Dias depois, em 22 de dezembro de 1983, o segundo BAe 146-100 da Taba, PT-LEQ, decolou rumo ao Brasil.

Entre 14 e 18 de dezembro o PT-LEP realizou um tour de demonstração por diversas cidades brasileiras. No Rio de Janeiro, ele teve a distinção de ser o primeiro quadrimotor a jato a pousar no aeroporto Santos Dumont e também realizou um belo ensaio air-to-air, sobrevoando as belezas do Rio.

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Foto: Arquivo Flap

São Paulo (Congonhas), São José dos Campos, Porto Alegre, Salvador e Brasília foram outras cidades que o Jumbolino da Taba passou durante sua viagem pelo Brasil.

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Foto: Arquivo Flap

Entrada em Serviço

O primeiro voo regular com o modelo na Taba aconteceu em 2 de janeiro de 1984. A empresa começava um novo ano da melhor forma: com novos aviões prontos para reforçar sua ampla malha, que na época atendia 38 destinos.

Para realizar a primeira operação, o PT-LEP foi o escalado e decolou de Belém às 6h da manhã retornando à capital paraense somente às 19h após um dia intenso de trabalho em sua nova vida, agora no calor tropical do Brasil. A rota realizada foi Belém/Altamira/Santarém/Itaituba/Alta Floresta/Cuiabá/Vilhena/Ji-Paraná/Porto Velho.

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“Na saída não havia trator para fazer o push back, porque ele estava na fazenda do coronel Gibson. A solução foi juntar o pessoal de apoio solo e empurrar o avião, num verdadeiro push back humano”

Comandante Berto

Durante o período inicial de operação, os BAe 146 voavam sempre com tripulação brasileira e um instrutor e um mecânico da British Aerospace, num procedimento padrão adotado por todos os fabricantes, por razões de segurança, toda vez que um novo equipamento é introduzido em serviço.

Aprovado pelos pilotos

O Jumbolino se tornou um queridinho entre os pilotos da Taba.

“O 146 era um jipe. Não tinha slats, não tinha reverso. Possuía roda dupla; se furasse um pneu você tinha um outro bom. Não era necessário macaco para trocá-lo. Bastava pôr uma rampa de madeira, dava motor, subia na rampa, trocava o pneu, descia da rampa e pronto. Era extremamente fácil. Só o motor exigia ferramentas especiais”.

Comandante Berto

Rotas e Problemas Operacionais

Com sua dupla dinâmica de Jumbolinos, a Taba operava as seguintes rotas (março de 1984):

  • Belém/ Altamira/ Santarém/Cuiabá, ida e volta, de segunda a sábado
  • Cuiabá/Vilhena/Ji-Paraná/ Porto Velho, também ida e volta, de segunda a sábado

Em junho, a empresa inaugurou o trecho de Belém a Tabatinga com paradas em Altamira, Itaituba, Parintins, Manaus e Tefé. Esse voo partia de Belém, na foz do Rio Amazonas, às 5h15 da manhã (hora local) e, após atravessar dois fusos horários, chegava a Tabatinga, próximo à fronteira com o Peru, pouco depois do meio-dia (horário de Brasília).

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Foto: Arquivo Flap

Na metade de 1984, a linha Cuiabá/Vilhena/Ji-Paraná/ Porto Velho foi cancelada e, no lugar, veio o trecho Belém/Altamira/Santarém, com três voos semanais.

As expectativas quanto ao quadrimotor britânico eram altas, no entanto, diversos problemas operacionais com o modelo contrariaram o otimismo.

Inicialmente, os BAe 146-100 performaram bem na malha da Taba, sem maiores ocorrências. Contudo, com o passar dos meses, um atrito entre a empresa e a British Aerospace começou a surgir. O principal motivo era a forma que a operação vinha acontecendo, principalmente em relação à manutenção dos aparelhos. O fato começou a incomodar os ingleses, que ganharam apoio dos técnicos da Avco Lycoming, que fabricava os motores do avião.

Muito embora houvesse sido feito um bom aprovisionamento de peças de reposição, com o auxílio do fabricante, o dono da companhia, coronel Gibson, resolveu cancelar a compra das ferramentas necessárias à manutenção dos motores.

O Rápido Fim

Com pouco mais de 2 meses em operação, a situação beirava ao caos e um dos exemplares já não estava voando mais. A empresa continuou com um BAe 146-100 ativo, que também não durou muito e em alguns meses também foi encostado no pátio da companhia. Ambos ficaram por lá, estacionado, até a metade de 1985, quando foram devolvidos à fabricante. O namoro da Taba com os Jumbolinos terminou de forma “bastante azeda”, conforme pontuado pelo jornalista Dave Higdon.

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Foto: Arquivo Flap

Assim, de forma rápida, terminou a breve operação regular dos SuperJatos da Taba e também do Jumbolino em uma empresa aérea brasileira.

Novas tentativas

A experiência com a Taba não havia sido a melhor, mas isso não foi um empecilho para a British Aerospace continuar tentando emplacar seu quadrimotor regional no Brasil. Em 1988, a fabricante enviou um BAe 146-200 nas cores da United Express ao País para novas demonstrações. Seu foco agora era a Ponte Aérea Rio-Sp. Diversos voos foram efetuados no trecho, com ocupação máxima, provando a capacidade do jato para operar no Santos Dumont. Conquistar uma Varig, TransBrasil ou a Vasp seria o ideal, mas nenhuma delas se interessou.

Por outro lado, surgiu um interessado no produto da British Aerospace: José Afonso Assumpção, presidente da Líder Táxi Aéreo.

Assumpção tinha a ideia de criar uma empresa VDC (Voos Diretos ao Centro) com operações partindo da Pampulha para Congonhas e Santos-Dumont. Assim nasceu a ideia da Air Brasil, em 1991. Com um beija-flor em verde e amarelo em seu estabilizador vertical, a empresa parte do Grupo Líder solicitou seis voos diários de Belo Horizonte ao Rio de Janeiro e São Paulo, e mais oito linhas da ponte aérea Rio/São Paulo.

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Foto: Arquivo Flap

A expectativa era de transportar 200 mil passageiros ao ano e a aeronave escolhida para tais operações era o BAe 146-200.

Não Decolou

Sócia da Líder na empreitada da Air Brasil, a TNT Sava entraria com 50% dos 5 milhões de dólares em um investimento inicial. O contrato de leasing para três exemplares da versão -200 do Jumbolino foi assinado junto à uma filial norte-americana da British Aerospace.

Cerca de 150 colaboradores foram contratados para a Air Brasil, parte deles enviada aos Estados Unidos para treinamento do BAe 146. Só nessa atividade, mais as diárias das tripula­ções envolvidas, a Air Brasil gastou cerca de 1 milhão de dólares.

Ao mesmo tempo, a fabricante britânica começava a pintar as aeronaves. Todos eles eram ex-American Airlines e haviam voado na aérea estadunidense com as seguintes matrículas: N699AA, N695AA e N698AA. O primeiro mencionado voou ao Brasil em abril de 1991 e passou por diversas cidades, incluindo o Rio de Janeiro, e assim como o BAe da Taba, também realizou um ensaio fotográfico sobrevoando a Cidade Maravilhosa. Tudo parecia caminhar bem.

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Foto: Arquivo Flap

As empresas congêneres não queriam mais concorrência e pressionaram o DAC para não conceder as linhas pretendidas pela Air Brasil. A companhia ganhou a autorização para voar na Ponte Aérea, no entanto, os voos VDC, que eram o principal foco da Air Brasil, não foram concedidos. O único BAe da companhia em território brasileira permanecia estacionado na Pampulha, sem qualquer perspetiva de voar, os outros dois jamais chegaram sequer a “pisar” no País, contudo, chegaram a ganhar as cores da empresa. O tempo foi passando, as despesas aumentando e a TNT Saba decidiu sair do negócio. José Afonso conseguiu um novo sócio: o grupo português Antígua, da Ilha da Madeira. O grupo se comprometeu em injetar 3 milhões de dólares na empresa, mas o dinheiro prometido jamais foi disponibilizado.


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Com uma situação insustentável, em dezembro de 1991, José Afonso Assumpção informou à imprensa, em uma nota, que a Air Brasil não decolaria. Nesse vai e vem, o Grupo Líder perdeu mais de 2 milhões de dólares.

O BAe 146-200 que veio ao País foi devolvido à British Aerospace e o sonho da Air Brasil terminava aí.

Aparições no Brasil

Posteriormente, nenhuma outra empresa aérea brasileira se interessou em operar com o modelo. No passado, ainda que não muito frequente como outras aeronaves, o Jumbolino já voou regularmente para o Brasil nas asas da paraguaia LAP, entre Assunção e Guarulhos. De vez em quando, o quadrimotor surgia também nas cores da LAN.

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Foto: Flávio Marcos de Souza

Uma passagem do quadrimotor pelo Brasil que ficou marcada foi em 1991 com o atual Rei Charles. O BAe passou por locais como Congonhas e Vitória. Uma curiosidade é que o monarca pilotou a aeronave em alguns trechos.

Mais recente, entre 2015 e 2016, a extinta LAMIA, cumpriu fretamentos de times de futebol partindo do Brasil e a última passagem do quadrimotor em território brasileiro foi neste ano. Sim, em 2023.

Cumprindo um voo de traslado entre Europa e Chile, o Avro de matrícula M-ABOT fez duas escalas por aqui, uma em Natal e a outra em Cabo Frio.

E assim encerramos nossa história pela trajetória do BAe/Avro em terras brasileiras.


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Uma resposta

  1. Será por que um Avião rápido econômico e bonito não deu certo no Brasil, más isso acontece, tem coisas boas que muitas vezes tem falta de interesse de alguns!

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